Família mineira – Dados espelham novas configurações familiares em Minas e no Brasil, com o adiamento da maternidade, mais uniões homoafetivas e mudanças na guarda dos filhos

A nova edição das Estatísticas do Registro Civil, divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), confirma novos arranjos nas famílias mineiras nos últimos 10 anos. Enquanto a mulher adia o sonho de ser mãe para investir na carreira profissional, o reconhecimento pela Justiça da união homoafetiva incentivou cônjuges do mesmo sexo a dizerem o sim nos cartórios. As planilhas mostram ainda que, nos casos de dissolução do casamento, houve avanços na guarda compartilhada dos filhos.

“Percebe-se novas formas de famílias. O estudo dá um panorama das famílias ‘reiventadas’”, concluiu a demógrafa Luciene Longo, técnica do IBGE no estado. Boa parte das mudanças foi pautada pela economia e pelo Judiciário. Nesse último caso, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união de pessoas do mesmo sexo como entidade familiar em maio de 2011. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou a Resolução 175, que trata do mesmo assunto.Em Minas, houve recorde no total desse tipo de união em 2015: 378 casos. O número é 14% superior ao de 2014 (331) e 80,8% maior do que o de 2013 (209). Em todo o país, foram 5.614 casamentos similares – quantidade 15,7% maior do que a de 2014 e 51,7% acima da de 2013. A professora Sara Azevedo, de 31 anos, e a bancária Juliana Selbath, de 32, fazem parte dos exemplos desse rearranjo familiar.

“Namorávamos a distância havia dois anos e cinco meses: eu em BH; ela em Brasília. Agora estamos perto uma da outra”, disse Sara, ponderando que os casais homossexuais ainda batalham por muitos direitos. “A resolução garante os direitos civis do casamento legalizado, mas, como é resolução, não confere garantias totais e irrevogáveis. Uma lei instituída tanto na Constituição quanto no Código Civil acabaria com qualquer discussão sobre o tema.”

O pesquisador Rudney Avelino de Castro, autor da dissertação “Arranjos e (re)arranjos familiares: novas conjugalidades em perspectiva”, defendida no mestrado da área de ciências sociais da PUC Minas, faz questão de dizer que há diferença entre a união reconhecida pelo Judiciário e o casamento instituído pela Igreja Católica: “União entre homossexuais é um contrato. Casamento é um rito católico”, explica. De qualquer forma, ele destaca: “Estamos em uma mudança histórica”.

Na visão dele, a própria sociedade ainda tem muito a avançar. Em seu trabalho de campo, ele constatou que pais de homossexuais se referem ao genro ou nora como companheiro ou companheira. “A grande dificuldade dos casais é com as famílias. Quase todos os parentes se referem ao companheiro ou companheira do familiar como amigo ou amiga.”

MAIS UNIÕES Em todo o país, os casamentos, seja entre homossexuais, seja entre heterossexuais, totalizaram 1.137.321 registros em 2015, 2,8% a mais que em 2014. Em Minas, foram 120.213 no ano passado. Mas a melhor análise leva em conta a chamada taxa de nupcialidade legal, pois mede a quantidade de casamentos para cada 1 mil brasileiros com idade acima de 15 anos. Neste caso, o indicador no estado foi de 7,3, o mesmo do ano imediatamente anterior. No país, 7,2 em 2015 e 7,1 em 2014.

As planilhas do IBGE constataram uma curiosidade que desconstrói a afirmação de que maio é o mês das noivas. Quem conta é técnica Luciene: “Considerando todos os casamentos, o mês de maior ocorrência é dezembro. Tanto para o Brasil (10,8%) quanto para Minas (11,7%). No estado, a idade média dos cônjuges solteiros de sexo diferente na data do casamento no estado era de 27 anos para elas e de 29 anos para eles”.

Mas nem toda felicidade dura para sempre. O IBGE concluiu que ocorreram 23.973 divórcios em Minas em 2015. Mais uma vez, é preciso observar a taxa, que, nesse caso, leva em conta a dissolução para cada grupo de 1 mil pessoas com 20 anos ou mais. No estado, houve queda em relação a 2014, de 2,21 para 2,10. O tempo médio transcorrido entre o sim no cartório e o não na Justiça foi de 15 anos. Com relação à guarda dos filhos, a modalidade compartilhada subiu em relação a 2014, de 6,6% para 11,4%. No Brasil, de 9,4% para 12,9%.

Mães e pais mais maduros

Depois de uma década e meia de namoro, a professora de inglês Ana Carolina Figueiredo Camargos de Carvalho da Silva, de 34 anos, e o fisioterapeuta Alexandre Magno Fonseca da Silva, de 35, se casaram em 2015. Em 2017, vão comemorar a chegada de Ana Júlia. Tanto o casamento quanto a gravidez foram planejados.

A professora é um dos exemplos de que as mineiras estão programando o sonho de serem mães depois de investir nos estudos e na carreira profissional. Tanto que o IBGE constatou aumento da gravidez no grupo de mulheres na faixa etária de 30 a 34 anos. Em 10 anos, o percentual subiu de 16% para 22%. Por outro lado, diminuiu o percentual no grupo das jovens de 15 a 19, de 19,9% para 14,8%. Também houve recuo na faixa das mulheres de 20 a 24 anos, de 30,24% para 23,4%.

Álbum de família

“A postergação da gravidez fica evidenciada pelo aumento da proporção de nascimentos no grupo de mulheres de 30 a 34 anos. Em 2005, esse percentual foi de 16%. Passou para 22% no ano passado”, disse Luciene Longo, técnica no IBGE em Minas.

Ana Carolina, a professora, está entrando no quinto mês de gravidez. Ela e o marido se conheceram ainda na adolescência, quando estudavam o ensino médio. “As mulheres estão mais preocupadas com a carreira profissional. Querem viajar para o exterior para ter experiência, querem fazer pós-graduação, mestrado, doutorado. Enfim, queremos nos firmar. Além disso, quando a mulher engravida depois dos 30 anos há uma maturidade boa. Tudo o que eu e o Alexandre fizemos foi planejado”, conta. O marido concorda: “Tudo hoje precisa ser programado”. O casamento deles, por exemplo, ocorreu depois de ambos decidirem investir nos estudos.

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