Escola atacada – A proximidade com a tragédia de quarta-feira, quando 17 pessoas foram mortas e 14 feridos em um ataque a tiros em uma escola de Parkland, na Flórida, assustou a comunidade brasileira na região. Pais dos cerca de 50 jovens brasileiros que estudam na escola – e que viveram momentos de terror mas que escaparam ilesos dos tiros – debateram abertamente a possibilidade de voltar ao Brasil no grupo de WhatsApp que possuem.
– Para mim, isso foi um sinal – afirmou a empresária mineira Ana Paula Fernandes Carvalho, que mora há um ano na cidade e cujo filho, Kelsey Filho, de 15 anos, ouviu tiros, se escondeu do atirador na escola e viu colegas mortos. – Já estava e, dúvida sobre continuar aqui por outras questões, mas não dá para viver uma situação destas.
Ela conta que seu filho relatou situações que ela nunca imaginou no Brasil: enviou uma mensagem dizendo que sua escola estava sob ataque – realizado com um fuzil AR-15 comprado legalmente pelo ex-estudante Nikolas Cruz, de 19 anos – e pediu para ela não ligar, pois estava escondido. Disse se lembrar de muitos gritos e choros. Ao sair da escola, não seguiu a orientação do policial e olhou para o chão: viu uma colega e seu treinador mortos.
– Ele está sofrendo. Tem horas que diz que quer ir em todas as homenagens, tem momentos que diz que não. Não sei como voltaremos à rotina da escola. Quase diariamente via o treinador Aaron Feis, que perdeu a vida salvando estudantes. Sempre trocávamos bom-dia – disse ela, que tem outro filho estudando na escola de ensino fundamental que divide o terreno com a Marjory Stoneman Douglas, palco da tragédia.
ACOSTUMADOS COM MEDIDAS EXTREMAS
Outros dizem que o episódio balançou suas convicções enquanto imigrantes.
– Todo mundo está se perguntando se vale a pena continuar aqui, tem alguns pais que dizem que já decidiram voltar. É muito angustiante saber que há um atirador na escola de seu filho – disse ao GLOBO a paulista Daniela Lemos, de 38 anos, cujo filho, Vitor, de 18, estuda na escola.
Brasileiros escolhem viver em Parkland por causa do colégio, um dos melhores do estado, junto à escola de ensino básico com a qual divide a área. Considerada uma área em expansão, cara e pacata, Parkland é parte do condado de Broward (Norte de Miami), onde vivem 1,9 milhão de pessoas em cidades como Fort Lauderdale e Boca Ratón, – deles, oficialmente 15 mil brasileiros, embora estimativas indiquem que a comunidade chegue a mais de 50 mil pessoas, incluindo as indocumentadas.
Mesmo brasileiros sem filhos na escola pensam em voltar, mas a decisão não é tão simples:
– Voltar correndo faria parece que somos “losers” (fracassados). Mas não sei se quero que as minhas duas filhas tenham que viver este tipo de situação. No Brasil o risco é diferente, há menos loucos – disse um gaúcho que vive na região há quase dois anos e pediu anonimato. – Me choca que as escolas se pareçam cada vez mais com presídios.
Os estabelecimentos de ensino estão se tornando fortalezas para evitar estes episódios – já houve 18 incidentes armados nestes locais desde janeiro. Detectores de metais, iguais aos de aeroportos, são cada vez mais comuns, assim como grades (itens raros na maior parte das casas). Portas e janelas blindadas e ao menos uma parede à prova de tiros em cada sala de aula fazem parte desta nova realidade.
Reforçar escolas tem sido uma das propostas dos defensores do livre porte de armas nos EUA, país que tem mais armamento nas mãos das pessoas que carros. Também cresce a ideia de que os professores devam ser armados, tudo para evitar o controle. E, cada vez mais, alunos passam por treinamentos sobre como proceder em caso de um atirador invadir sua escola – tratado de forma tão “comum” como um treinamento de incêndio ou de furacão.
– Se não fosse o treinamento que eles recebem, a situação seria muito pior. Todos sabiam que tinham que se trancar nas salas, ficar em silêncio – disse a capixaba Mariluza Thompson, que tem seu filho João, de 15, estudando na escola da tragédia, e outro na básica, no mesmo terreno.
Ela conta que a maior motivação para vir aos EUA foi a segurança. E que é verdade que o atirador dava sinais de distúrbios:
– Ele trabalhava em uma loja perto de casa. Uma vez fui lá com o João e comentei que o menino não parecia normal, tinha um olhar de ódio. Só não imagina que ele fosse capaz de fazer tudo isso.
O caminho para estes brasileiros será longo: o trauma da experiência deve demorar a passar:
– Minha filha Júlia, de 14 anos, viu seu professor ser morto. Ela estava saindo da escola por causa do alarme de incêndio (acionado propositalmente pelo atirador) quando uma estudante voltou correndo dizendo que eram tiros. Eles voltaram paras as salas. Na hora em que o professor foi fechar a porta, foi alvejado. Todos os alunos estavam em um canto e viram quando ele tirou a mão do abdómen, cheia de sangue, e logo desmaiou de vez – contou Flávia Soares. – Não pode ser normal.
fonte: Agência O Globo
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