O Carnaval é agora! E blocos de BH prometem elevar a emoção nas ruas com homenagens a ícones da música brasileira e mundial.

 

Se o cantor e compositor cearense aprovou, não se tem notícia ainda. Mesmo porque, o autor de pérolas do naipe de “Como Nossos Pais” não dá o ar da graça já há um bom tempo: reza a lenda que, aos 70 anos, vive recluso num pequeno povoado do Uruguai.

Mas é fato: a homenagem a Belchior proposta por um dos mais recentes blocos belo-horizontinos – o Volta Belchior, que está estreando neste Carnaval – já é sucesso entre os fãs do artista para além das fronteiras de Minas. Prova é que, do montante de blusas oficiais comercializadas, cerca de cem foram encomendadas por gente de outros Estados.

Na capital mineira, Belchior está em ótima companhia. Wando, Tim Maia, David Bowie, Gonzagão, Bob Marley e Raul Seixas são outros exemplos que tiveram sucessos e lados B rearranjados em ritmo de samba. Nos casos citados, o tributo é póstumo. Mas há artistas vivíssimos cujo repertório serviu de ponto de partida para quem pretende arrastar foliões pelas ruas de BH afora – Beyoncé, por exemplo, é inspiração para o Garotas Solteiras (tradução em português de um dos maiores hits da diva, “Single Ladies”). Já Moraes Moreira é o baiano que norteia, este ano, o Carnaval do Baianas Ozadas.

Há espaço ainda para homenagens mais diluídas, digamos assim: o Bloco da Esquina, como o nome indica, homenageia o Clube da Esquina; enquanto o US Beethoven se garante fazendo ecoar a dita “música brega”. Tim Maia é o homenageado do Chama o Síndico – mas divide o tributo com Jorge Benjor. E até a sofrência ganhou seu bloco, o Bilu Bilu – isso, apenas para citar alguns.

Latino-americano

O Volta Belchior – que desfila neste sábado (25, a partir da rua Mármore, 170, concentração às 13h) –, surgiu da admiração do jornalista Kerison Lopes pelo artista. “Sempre fui muito fã – em particular, das letras. E também do fato de ele ser avesso à indústria cultural e a concessões. Seu sumiço da mídia é um posicionamento: não é só a questão financeira que está no centro, ele quis romper com tudo. Tanto que ofereceram um cachê de R$ 2 milhões para que fizesse um comercial, e rechaçou”.

O que Kerison não esperava é que o bloco gerasse tanto burburinho. “A gente confirmou que o Belchior segue tendo uma legião de fãs, formada inclusive por pessoas muito jovens”. Nos ensaios, o bigodão fake virou quase item obrigatório. Paramentados, fãs se esbaldam por meio das músicas do artista nascido em Sobral, e que ganharam acento do reggae, afoxé ou samba-reggae pelas mãos de Sylvio Rosa. E, sim, o bloco tem marchinha própria, composta por Eros Fresig, mestre de bateria.

Moraes moreira

Escolher um baiano a ser reverenciado já é tradição para o Baianas Ozadas, que, este ano, cravou um X em Moraes Moreira. “Já homenageamos Luiz Caldas, Dorival Caymmi, os blocos afro e Doces Bárbaros”, repassa a produtora Polly Paixão. “Uma das razões (que levaram o grupo a homenageá-lo) é que este ano, Moraes Moreira completa 70 anos de vida (dia 8 de julho). E porque foi o primeiro cantor de trio elétrico em Salvador”, exalta.

Líder do Baianas, Geo Cardoso lembra que, além de músicas da carreira solo de Moreira, o repertório abarca músicas afins à trajetória do artista (como do grupo A Cor do Som ou de Pepeu Gomes), da fase Novos Baianos (“Preta, Pretinha”) e de compositores gravados por ele (Assis Valente, no caso de “Brasil Pandeiro”). “‘Preta, Pretinha’ já foi apontada pelo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro como uma das dez músicas mais populares do Brasil. Pessoas de todas as gerações cantam a letra”, diz Geo.

Partidário da democratização dos blocos, Moraes Moreira ressalta o fato de a homenagem vir de uma cidade na qual o renascimento do Carnaval se dá essencialmente a partir das ruas. “É a prova de que estão sendo buscadas as verdadeiras raízes do Carnaval do Trio Elétrico dos criadores (referindo-se aos pioneiros Dodô e Osmar). Era o sonho dos mestres ver o Carnaval se espalhando por todos os cantos, eles diziam: ‘vamos trieletrizar o mundo’”. E, em tempo: o Baianas também traz, este ano, um boneco gigante emulando – claro! – Moreira. O desfile acontece segunda (27). Concentração a partir das 9h, em frente ao Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.394).

Maluco Beleza

Também da Bahia, mas de um escaninho distinto do de Moraes Moreira, vem Raul Seixas, homenageado do estreante “Abre-te Sésamo”. “Sou fã de Raul desde criança, nasci no interior e, quando comecei a mexer com Carnaval, sempre pensei que tinha tudo a ver. Ele foi um artista que representa uma quebra de paradigmas: toca na favela, na roça, no baile, na zona sul. E o Carnaval também é onde classes sociais, castas, raças ou religiões não importam”, pontua Christiano de Souza, um dos fundadores.

Não bastasse, ele lembra que são duas “entidades” de muita potência. “Ao longo do caminho, fui encontrando pessoas que comungavam a mesma ideia. Este ano, resolvemos desfilar”.

O cortejo aconteceu na sexta-feira (17) e teve como ponto de chegada a praça Raul Soares, transformada (“num ato de desobediência civil”, brinca de Souza) em praça Raul Seixas. “Passamos pelos pontos ‘maluco beleza’ do Centro, como praça Sete, Maletta, Bar da Cledir… A ideia era atingir moradores de rua, o público de rua…”. No repertório, a primazia coube a músicas com viés político, como a própria “Abre-te Sésamo”. Já o quesito figurino não foi particularmente dramático. “Raul desperta várias possibilidades, seja a mosca na sopa, o Ouro de Tolo, o moço do disco voador… É tudo muito sugestivo, possibilita uma gama de personagens”.

Com Lucas Simões

Em meio aos estreantes, o Beiço do Wando, de viés “brega”, festeja seu segundo ano querendo repetir a performance de 2016. “A gente não tinha muita ideia, e atraiu 8.000 pessoas – inclusive, muita criança”, conta o jornalista Rodrigo Zavagli. A própria filha de Wando, Maria Sabrina, foi na companhia da mãe, Renata Lana.

O nome foi sugerido num boteco. “Na hora, a gente riu, mas viu que tinha tudo a ver. O Wando era um ícone da música brega, e o beiço dele tem todo um sex-appeal”. O repertório, porém, abarca outros “mitos” (Reginaldo Rossi, Odair José e Sidney Magal) e referências (Raça Negra, Ritchie, Fábio Jr, Roupa Nova e mesmo Roberto Carlos). A turma da harmonia, junto ao regente, molda as músicas, adaptando-as à folia. Entre as que mais empolgam, diz ele, está “Fogo e Paixão”.

Transitando pelo mesmo universo está o US Beethoven, cujo nome estabelece uma ponte entre o surdo instrumento e a condição do compositor citado no título. A ideia, conta Gilson Reis, o “Gilsão”, um dos organizadores, veio de um grupo que tocava surdo em vários blocos da cidade. “A gente percebeu que, quando um ou outro não ia (a ensaios nos seus respectivos blocos), dava uma diferença (no som). E resolvemos fazer um grupo de surdistas, o Beethoven”, recorda. “O ‘Us’ é mineirês mesmo”, brinca.

Ano passado, o homenageado foi Falcão. “O bacana é que no dia seguinte (<FI10>da decisão</FI>), recebemos um vídeo dele, agradecendo. Vai ser ‘muso’ eterno”, brinca Gilsão, acrescentando que, este ano, o posto é de Chacrinha. No repertório, pois, músicas dos frequentadores do Cassino de Abelardo Barbosa.

Mas o mais bacana do Beethoven é a preocupação com a inclusão. “Fomos o primeiro bloco de BH a ter banheiro de rua para pessoas deficientes. É o nosso tema central. Queremos, num momento que é marcado pela alegria, chamar a atenção para a causa de forma carinhosa”, diz ele, lembrando que o escopo do grupo abarca deficientes auditivos, visuais, pessoas com mobilidade reduzida… “Até mesmo deficientes financeiros são bem-vindos”, diverte-se Gilson.

Mas, sim, também tem gringo entre os homenageados – caso da grávida Beyoncé. Para Cristal Lopez, rainha da Bateria do Garotas Solteiras, “ela desperta representatividade e poder feminino. “Um dos exemplos de como uma mulher negra pode ser bem-sucedida no trabalho tanto quanto qualquer homem”, diz ela, que interpretará “Say My Name”, da fase Destiny’s Child da sra. Jay-Z. Além da musa mor Queen B, este ano o bloco também homenageia a princesinha do pop, Britney Spears.

Bowie

David Bowie é o “muso” do Ziriggydum Stardust, bloco que nasceu ano passado, após a morte do artista (em janeiro) e, neste 2017, estende a homenagem a Prince e George Michael, mortos em abril e dezembro últimos, respectivamente. A saga do Ziriggydum teve impulso quando uma das mentoras do bloco, Mônica de Paula, fez, junto a amigos como Alisson Vila e Cláudio Calixto, um grupo no Facebook, disseminando a ideia. “E foram aparecendo pessoas que a gente não conhecia”.

Pensar a fantasia, ali, não chega a ser uma tarefa hercúlea. “As roupas dele já eram meio que fantasias”, lembra Mônica. Mesmo assim, em 2016, o bloco ensinou fãs a fazer o raio à la “Alladin Sane” e disponibilizou, na hora do desfile, pintura facial.

Forró também tem espaço nos blocos

O produtor Vandilson Ribeiro, fundador do Bloco Baião de Rua, já transitava com propriedade na cena forrozeira de BH, como no projeto “Forró de Raiz”. Mas foi mais recentemente que veio a ideia de unir o gênero ao samba, a partir de uma iniciativa despretensiosa na porta do forró. Deu tão certo que veio o bloco em homenagem ao rei da sanfona, Luiz Gonzaga. Ano passado, na estreia, o Baião arrastou mais de três mil foliões, num percurso de quatro horas.

Democrático, o bloco também presta continência a outros ícones do forró (ou de universos afins): Dominguinhos, Jackson do Pandeiro, João do Vale, Marinalva, Trio Virgulino… “Mas o forte é mesmo Gonzagão”, admite Van, como é mais conhecido. O desfile oficial do Baião aconteceria na última sexta-feira (24) – quem perdeu, pois, terá que esperar 2018 para tirar do armário o chapéu de cangaceiro, uma das fantasias possíveis em meio a um universo tão rico.
O Tempo

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